27.5.08

Em viagem…

Acabei de chegar de uma estadia no Brasil que durou um mês. Quando se está num local de férias tanto tempo, e chovendo quase diariamente, tem que se utilizar bem a imaginação para esquecer essa contrariedade, e desta vez ainda o dengue que assusta.
Uma das actividades que me despertam a curiosidade, mesmo sem chuva, é a descoberta de novos restaurantes. Conhecerem-nos bem nos locais habituais é uma grande vantagem. Um dos responsáveis do hotel que muito frequento facilita-me a tarefa pois tem imediatamente uma lista dos restaurantes novos, e de outros que se fizeram notar desde a minha anterior estadia.
Fortaleza é uma cidade de cresceu muito e em especial virada para o Turismo. Há pois uma grande efervescência na abertura e encerramento de restaurantes.
Ora, esta introdução para explicar que um restaurante, a que me referi nestas páginas em Janeiro de 2007, encerrou. Pois esse restaurante, com ementa de características francesas, servia um famoso Bacalhau à Transmontana. Por essa particularidade lhe dediquei uma crónica. Lamentavelmente encerrou. E lá se foi o único prato de comida transmontana que se servia em Fortaleza. Bem, eu frequentava esse restaurante, “Café Matisse”, não pelo bacalhau mas pelo conjunto da sua prestação. Possivelmente o bacalhau terá influenciado as primeiras visitas.
Há outros restaurantes portugueses aos quais também já me referi noutras oportunidades. Insisto em comentar que não concordo muito com as experiências de adaptar as receitas ao gosto de cada região. Prefiro que se utilize outra designação, mas as receitas tradicionais não serem alteradas. O ideal seria conhecer bem as mercadorias e só em função delas serem escolhidas as receitas. Hoje em dia as tarefas estão facilitadas pela grande diversidade de abastecimentos e também que muitos restaurantes utilizam uma forma descritiva das receitas, nos menus. Faltando-me o Bacalhau à Transmontana restou-me para matar a saudade das minhas origens, além dos vinhos e azeites em supermercados, encontrando castanhas de Sortes e água Pedras Salgadas.
A forma de alterar uma receita tradicional não é pecado. Para mim o errado é alterar a receitar mas mantendo-lhe o nome. Claro que eu sou fervoroso adepto da cozinha evolutiva. Ninguém admite comer hoje como se comia há cem anos!
Como deve então evoluir uma receita? Antigamente os processos eram mais lentos. Hoje em dia com a velocidade da informação, e também a facilidade de transporte dos produtos culinários, tudo é mais rápido. Uma coisa é a evolução de uma receita e outra coisa é a transformação da mesma.
Vejamos um exemplo ainda desta experiência brasileira. Num restaurante português e com reputação elevada, pedi Arroz de Pato à Antiga. Chega uma dose abundante, que deu para três, mas o arroz parecia um gratinado afrancesado pois a quantidade de queijo que o cobria nem deixava imaginar o que estava por baixo. Depois o arroz estava muito ensopado em gordura. Segundo informação local este prato é um dos preferidos da clientela.
Tenho a sorte de próximo de minha casa em Lisboa frequentar um restaurante que serve o meu melhor “Arroz de Pato”. O equilíbrio de cozedura dos ingredientes, o arroz solto e gratinado no tempo certo, possivelmente balizam os meus sentimentos quando como outro arroz. Reafirmo que não vejo nenhum inconveniente em transformar uma receita. Isto acontecendo, então mudem-lhe o nome. Os portugueses foram os precursores da Cozinha de Fusão. Quando chegámos à Índia ou ao Brasil, adaptámos a cozinha aos novos produtos. E depois também trouxemos novos produtos para o continente e outras técnicas culinárias que ajudaram a transformar o nosso receituário. A Cozinha de Fusão não é tanto uma combinação e uma mistura de ingredientes e técnicas culinárias mas um encontro de culturas que criam pratos verdadeiramente novos. A mistura de culturas traduz-se de tempos a tempos em criações novas e exaltantes receitas.
E este aspecto prende-se com outra questão, que me é querida, que é a falta de educação do gosto das novas gerações.
Repito que tive a sorte de ser educado na província, e que era obrigado a comer em casa e nas casas das famílias de meu Pai e minha Mãe. Este tipo de habituação determinou a forma como ainda hoje aprecio a comida. Há referências que não se esquecem e outras que ficam adormecidas até que somos confrontados com as comparações.
Naquele tempo toda a comida era boa e por educação tínhamos que comer de tudo. Poderia ser simples, mas era consistente. E tudo tinha o seu sabor. E reconhecíamos os alimentos pelas estações do ano.
Foto: Praia de Paracuru, Brasil