20.8.08

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3.8.08

10 Anos depois... e Cozinha de Fusão




O tempo passa depressa. Parece que foi há pouco tempo e afinal já passaram 10 anos. Vou escrever sobre a EXPO 98. Mas na perspectiva gastronómica, e sobre o exercício de inventariação da culinária de encontros no Mundo, do Pavilhão de Portugal. Como Portugal foi verdadeiramente o instalador da cozinha de fusão hoje tanto propagandeada, e nem sempre com a retaguarda cultural que o assunto merece. Faz-me lembrar um grande cozinheiro francês que se instalou há duas décadas no Brasil e esteve no ano passado em Portugal a apresentar a sua cozinha de fusão. Dizia ele que foi o primeiro a divulgar a cozinha de fusão entre o Brasil e a Europa (querendo dizer a França). Claro que no fim do seu discurso fui ter com ele dizendo-lhe que não concordava com a sua afirmação e porquê. Explicações para cá e para lá, afirmava-me que a diferença é que ele cria pratos novos com essa consciência. Respondi que possivelmente os pratos que ele inventa ficam no seu restaurante ou possivelmente nos livros que edita, mas a grande vantagem da presença dos portugueses é que a nossa cozinha de fusão ficou por várias gerações, e entrou no património cultural do Brasil, e são tradições dificilmente em extinção. Mas não foi só no Brasil! Ainda hoje em Goa se come a cozinha de cruzamento das duas culturas. E em muitos outros Países.

O termo cozinha de fusão é gratuitamente utilizado. Desde que haja misturas de produtos ou técnicas de regiões, ou países, diferentes toda a gente chama de cozinha de fusão. A cozinha de fusão não é tanto uma combinação e uma mistura de ingredientes mas especialmente um encontro de culturas que cria pratos naturalmente novos. Esta mistura de culturas manifesta-se de tempos a tempos em criações culinárias verdadeiramente novas e exultantes. Mas o mais importante, e ainda mal inventariado, são as receitas que perduram, que entram na tradição, independentemente da consciência ou contribuição directa para os conceitos de cozinha de fusão. Vários autores sustêm que a cozinha de fusão é essencialmente um dos processos naturais pelos quais as cozinhas evoluem.

Isto tudo a propósito do programa gastronómico do Pavilhão de Portugal. Este tinha três grandes atractivos: primeiro o próprio edifício, como objecto público, e um valor arquitectónico invulgar; depois os conteúdos culturais e alvo das visitas intermináveis; e o terceiro um conceito gastronómico arrojado. Constituíam a área de alimentação e bebidas uma cafetaria no rés-do-chão das arcadas voltadas para o rio, onde eram servidos petiscos portugueses ou associados semanalmente a carta do restaurante. No primeiro andar um restaurante gastronómico com um programa de ementas semanais sobre as quais escreverei mais adiante. Ainda no primeiro andar, várias salas de banquetes onde era servido o almoço oficial do dia do País, e outras refeições especialmente ao jantar e de grande dimensão.
Com um ano de antecedência iniciámos a fazer o programa gastronómico para todas as situações mas com coerência em relação ao programa geral, que seria uma imagem de Portugal. Por iniciativa da Comissária de Portugal, D.ra Simonetta Luz Afonso, o programa tinha que ser rígido e bem definido: Portugal e as tradições portuguesas. Mesmo os detalhes tinham que ter resposta na cultura. O programa foi definido e graças à persistência da Comissária o programa não se alterou mesmo quando alguns agentes tentavam querer ementas com a vulgaridade de uma cozinha afrancesada e mal copiada.
O Pavilhão estreou-se na véspera da inauguração oficial com um jantar com vários chefes de estado que chegaram para o grande dia. Do jantar constava simplesmente “Salada de Mariscos da Costa Portuguesa”, “Lombos de Cherne com Coentros Frescos”, “Queijo Serra da Estrela”, “Toucinho-do-céu de Guimarães”, e café com “Nozes de Cascais”. Na mesa apenas pão de centeio.
Mas o desafio maior foi criar um programa global para as dezanove semanas que durou o evento. Foram criados três temas que davam cobertura a algumas semanas. Assim, e porque o programa se chamava “A Viagem dos Sabores”, o primeiro capítulo que abrangia as três primeiras semanas era “Os Frutos da Terra”, cada semana dedicada respectivamente ao Pão, Azeite e Vinho, três elementos estruturantes da alimentação portuguesa.
O capítulo seguinte “Por Entre Mares” era o grande encontro de culturas do Mundo através das viagens, a cozinha de fusão, e com cada semana destinada respectivamente aos Mares do Brasil, Mares do Oriente, Mares de África, Mares do Índico e uma última semana “Sabores do Mar” para o elogio das Costas Portuguesas.
As restantes semanas eram dedicadas às regionais de Portugal e Ilhas com as seguintes designações poéticas: “Para lá das Serras”, “Entre Rios”, “Ilhas Atlânticas/Ilhas Afortunadas – Açores”, “Beira Serra”, “Nas Margens do Mondego”, “Nas Lezírias do Tejo”, “À Volta das Sete Colinas”, “Ilhas de Machim/Ilhas Afortunadas – Madeira”, “Pelas Planícies”, “Jardim das Amendoeiras” e para terminar “Doces Aromas” com uma mostra da doçaria nacional que foi o sector gastronómico que mais se valorizou depois das Descobertas.
No restaurante havia uma carta fixa com representação de todo o País sendo que as sugestões mudavam semanalmente de acordo com os temas atrás citados. Este restaurante servia em média 450 refeições com 90 lugares. Após estes anos passados ainda recordo com satisfação alguns clientes que fazia questão de semanalmente vir degustar as sugestões. Foi um trabalho árduo e especialmente recompensado pelas reacções dos clientes.
Quanto aos banquetes foi interessante, e um desafio, mostrar que é possível servir as nossas tradições mesmo em refeições oficiais, e repito a proeza de apenas servirmos fatias de pão de centeio.
A culinária portuguesa, tantas vezes acusada de bruta, pouco fina e fora de moda, tem condições de se apresentar a qualquer tipo de mesa. Alguns chefes de cozinha estrangeiros têm chegado aqui e descoberto a riqueza dos nossos produtos e têm tratado bem o tipo de confecções que ainda valorizam mais os produtos.
No ano seguinte ao da EXPO 98 a Gastronomia Portuguesa foi elevada, por decisão de Conselho de Ministros, a Património Cultural. E agora? Quem identifica, quem inventaria, e quem decide o quê dentro desta classificação?
Apetece-me agora recordar uma Exposição em Sevilha. Não a de 1994, mas a de 1929 onde Portugal se apresenta orgulhosamente com os seus produtos agrícolas. Certo que não era uma Exposição Universal mas Latino-Americana, mas o Pavilhão de Portugal era tão imponente que ainda hoje lá se mantém. E o espaço destinado à Agricultura tinha o tamanho do Comércio e Indústria juntos. O seu catálogo apresenta já em 1929, Portugal como um país turístico e com equipamentos modernos. Quanto à Agricultura tinha os seguintes principais sectores: Azeite de Oliveiras e Azeitonas, Frutas frescas, secas e preparadas, Vinhos, Licores e Aguardentes, Cereais, Legumes, Hortaliças, Plantas Industriais e seus Derivados, Peixes em conserva e em salmoura, …
A auto-estima naquele tempo parecia diferente. Aprendamos a valorizar o que temos de melhor.
Foto: (C) Adriana Freire

8.7.08

Sardinha, Rica Sardinha



A sardinha faz parte do grupo de peixes teleósteos abdominai e adquire o nome científico de “Sardina pilchardus”.
Não pensem que vou continuar com esta linguagem ou com as definições técnicas deste maravilhoso peixe que nos identifica no Mundo. A sardinha sempre foi associada a alimentação popular e recentemente assistimos à sua utilização por grandes chefes e para grandes mesas, que dizer, alta gastronomia ou cozinha de autor.
Ninguém como os Portugueses para se deliciarem com sardinhas assadas e colocadas sobre fatia de pão de mistura. Claro que instintivamente a tradição de comer sardinhas está associada à época em que o seu sabor é melhor. Por isso a sardinha transforma-se em emblema culinário das festas populares de Junho. E lá diz o ditado: “No S. João a sardinha pinga no pão”. Claro que a sardinha é também o elemento culinário do Santo António. É de facto neste tempo que a sardinha está gorda, a sua pele liberta-se com facilidade e a sua gordura embebe o pão de forma gulosa.
Domingos Rodrigues (1680), autor do primeiro livro de receitas em Portugal sugere os meses de Novembro e Dezembro, apesar de não dar nenhuma receita. Lucas Rigaud (1780) nem sequer menciona as sardinhas. Já João da Mata (1876) lhe concede honras de três receitas: Sardinhas à Mata, Sardinhas em Pastelinhos à Portuguesa, e Sardinhas em Espiches.
Olleboma (1936), autor de Culinária Portuguesa recomendava que a sardinha fosse consumida de Junho a Outubro pois eram os meses de melhor sabor e menciona que “a sardinha é o peixe mais abundante em toda a costa de Portugal… consome-se fresca, salgada e em conserva de azeite”. Como modos de confecção apresenta várias receitas de fritas, grelhadas ou assadas na brasa, recheadas e fritas com molho de tomate à moda de Setúbal.
Não vou continuar a relatar a presença da sardinha nos clássicos de receituários de culinária portuguesa. Devo, no entanto, referir a importância que a indústria conserveira teve durante o século XX.O sistema de conserva dos alimentos após cozedura e isolamento do ar foi descoberto por um cozinheiro francês de nome Appert e já em 1804. Mas é em Inglaterra que se estabelece em 1810 a primeira indústria de conservas em folha-de-flandres, mas o produto final era muito caro pelo seu manuseamento.
Curioso é encontrar já uma receita de sardinhas no famoso livro, que eu traduzo directamente do francês para “As delícias da mesa e os melhores tipos de comida”, de Ibn Razin Tujibi, escrito entre 1238 e 1266, e publicado no tempo da dinastias Almohade e Mérinide, no domínio de Al Andalus e do Maghreb. Isto porque a sardinha era considerada um peixe popular, ou menor.
Será fácil admitir que a sardinha já constava dos peixes que os romanos consumiam e que seria um dos elementos que entrava no famoso garum. Este seria uma pasta de peixe imaginada como sistema de conservação do peixe após a chegada dos barcos, e de cujo fabrico temos informações de Setúbal e Monte Gordo, condizentemente os locais onde se estabeleceram as primeiras indústrias de conserva.

Durante a Idade Média haveria até 240 dias de jejum de carne pelo que os frutos pesqueiros seriam a base da alimentação. A sardinha era primordial. Consta mesmo que no primeiro “restaurante” instalado na Praça da Ribeira, o Mal Cozinhado, se prestaria a fritar o peixe e servi-lo sobre fatias de pão.
A sardinha transformou-se num produto popular pelo seu preço, e vulgarizou-se, como a melhor forma de a saborear, assada na brasa.
A sardinha durante o século XX teve picos de glória e de abandono, deixando de ser prato de mesas finas ou abastadas. Para o interior vinham em barricas com sal pois para as grandes tarefas agrícolas era necessário contratar galegos que não abdicavam de comer peixe. Outras formas, de conservação, levaram à criação de outro receituário como as empadas ou bolas de sardinha.
A importância popular da sardinha foi, e é, tão grande que a linguagem proverbial a adoptou em vários sentidos:
“Da garganta para baixo, tanto sabe a galinha como a sardinha”
“Na tua casa não tens sardinha e na alheia pedes galinha”
“Nem sempre galinha, nem sempre sardinha”
“A mulher e a sardinha querem-se pequenina”
“A mulher e a sardinha quanto maior mais danadinha”
“Não há comida abaixo da sardinha, nem burro abaixo de jumento”
“Se tens sardinha… não andes à cata de peru”
“Estar apertado como sardinha em lata”
“Comer sardinha e arrotar pescada”
“Tirar a sardinha com a mão do gato”
Para todas as ocasiões e para todos os sentidos.
A sardinha assada é, para mim, um elemento diferenciador da alimentação portuguesa. Os países mais próximos que consomem sardinha, como a Espanha, França ou Itália não o fazem como nós. E muito menos com o acto convivial de comer sardinhas assadas na brasa, em conjunto à volta do assador. E com a simplicidade de o fazer à mão e sobre uma fatia de pão. Claro que estará sempre por perto uma boa salada com pimentos e bom vinho.
Não resisto a lembrar o único sítio que comi sardinhas assadas e me fez lembrar, ou poder pensar que estava em Portugal. Em Essaouira, Marrocos e antiga praça portuguesa de Mogador, junto à lota há uma espécie de restaurantes que se limitam a ser umas mesas corridas e apenas temos que escolher o peixe. Está incluído o pão, salada de tomate e refrigerantes (país muçulmano e com uma mesquita na proximidade). Escolhi três variedades de peixe e, a medo, apenas duas sardinhas. Chegado o peixe comecei pelas sardinhas e de imediato pedi mais seis. Voltei lá mais vezes só para comer sardinhas.

Foto: Adriana Freire

28.6.08

Pecar e Comer...


O padre Manuel Bernardes (1644-1710) foi um péssimo amigo da cozinha e dos cozinheiros. Este ilustre homem da Igreja, e líder de opinião naquele tempo, escreveu que “O demónio é cozinheiro; se vê que não gostamos do pecado guisado de um modo, tantos temperinhos lhe busca, até que nos abre a vontade, e se não levamos todo, contenta-se com que provemos algum bocado.” E continua afirmando que “comer saboreando-se e gozando os manjares não é de homem, mas de animais imundos que a toda a pressa e com toda a aplicação grunhem, e fossam, e se atolam no lameiro.” Mas vai mais longe afirmando que o taberneiro que baptize o vinho os seus pecados lhe serão perdoados. Claro que hoje quem misturar água ao vinho poderá ir preso, e justamente.
Já lá vai o tempo em que alguns prazeres eram associados ao pecado, e os artífices dessas Artes, os principais culpados. Apetece dizer hoje, Benditos cozinheiros, ou Benditos provocadores do pecado da Gula!
Estas afirmações devem-se ao início do século XVIII, quando apenas estava ainda publicado um só livro de receitas, e do cozinheiro da corte. Ainda não havia restaurantes em Portugal, com as características de hoje.
Dispomos de relatos curiosos de estrangeiros que visitaram Portugal nos finais do século XVIII e princípios do século XIX, depois de já conhecerem outros países, e que nos relatam o que seria a alimentação e os estabelecimentos de alimentação ao público mais conhecidos, que eram as hospedarias.
J. B. F. Carrère, em 1796 escreveu o seguinte: “Chega a hora da refeição: uma toalha com mais de oito dias de serviço, um garfo de ferro ferrugento e gorduroso, pratos rachados ou esbeiçados, sopa aguada, guisado a tresandar a fumo e com molho só temperado com sal, e um assado duro, seco e queimado, vão sendo postos na mesa que está tão suja como o chão em que assenta.
Em Lisboa há muitas hospedarias, mas nenhuma é boa. Numas as refeições são em mesa redonda e a preço fixo; noutras come-se o que se pedir, pagando-se conforme os pratos escolhidos.
…As hospedarias portuguesas são as piores, as melhores são dirigidas por estrangeiros.”
Outros viajantes escreveram sobre Portugal naquele tempo como Dabrymple, Costigan, Murphy, Gorani e especialmente William Beckford que nos deixou as suas memórias em livro nos dois períodos que viveu entre nós.
Mas estamos a entrar no século XIX onde as referências culinárias, o aparecimento dos primeiros restaurantes, a publicação de vários livros de receitas, a referência à própria gastronomia na literatura portuguesa, vão alterar as mentalidades da época.
As grandes informações e modas continuam a chegar de França, onde se inicia a publicação de crítica gastronómica. Basta lembrar Grimod de la Reynière, com os seus Almanaques, e que ainda publica o Manual dos Anfitriões em 1808, onde refere o papel importante dos Chefes de Cozinha. No entanto alerta que, um grande Chefe se estiver ao serviço de um grande senhor mas que não fale a sua linguagem, e não exija dele em permanência, em breve também o grande chefe entrará em decadência. É o conceito de grande Chefe executor e capaz de por em prática os anseios dos outros, do seu senhor, do seu mestre ou patrão. Claro que Câreme saiu deste grupo, criando o seu próprio estilo.
Mas regressemos a Portugal nos inícios do século XX.
Carlos Bento da Maia publica em 1904 o seu Tratado Completo de Cozinha no qual se lamenta do mau ensino profissional comparando com França “onde os discípulos, assentados nas suas bancadas, assistem às prelecções de um cozinheiro, que, tendo por trás da sua mesa um fogão, descreve o modo de executar, e executa ao mesmo tempo, os trabalhos relativos às iguarias que deve preparar durante aquela lição, iguarias cujos nomes estão indicados numa tabuleta do mostrador da aula.”
Em contrapartida queixa-se que “No nosso país, infelizmente, estão muito atrasados os ensinos profissionais e a maior parte dos directores de asilos têm o mau senso de ter serviçais para as educandas; de modo que em vez de criarem raparigas aptas para ganhar facilmente a vida com honestidade, criam pseudo – senhoras pretensiosas com desprezo pelos trabalhos manuais e tendo por futuro a miséria ou a vadiagem.”
Já naquele tempo a reconhecer que a qualidade da formação depende da qualidade dos formadores!
Até o Diário de Notícias, daquele tempo, apoiava este conceito que desenvolveu no seu editorial de 4 de Outubro de 1903. Lamentavelmente perdemos, no actual Diário de Notícias, agora a página de Boa Vida a que já estávamos habituados… e tantos chefes encontraram espaço! Hoje que tanto se publica sobre a culinária e outros temas ligados à alimentação tínhamos uma referência diária. Outro capítulo em que o futebol ficou a ganhar…!
Comer fora passou a ser uma necessidade e uma obrigatoriedade, pelo que também um prazer. Por isso também a vontade de maior informação.
Foto: Adriana Freire

27.5.08

Em viagem…

Acabei de chegar de uma estadia no Brasil que durou um mês. Quando se está num local de férias tanto tempo, e chovendo quase diariamente, tem que se utilizar bem a imaginação para esquecer essa contrariedade, e desta vez ainda o dengue que assusta.
Uma das actividades que me despertam a curiosidade, mesmo sem chuva, é a descoberta de novos restaurantes. Conhecerem-nos bem nos locais habituais é uma grande vantagem. Um dos responsáveis do hotel que muito frequento facilita-me a tarefa pois tem imediatamente uma lista dos restaurantes novos, e de outros que se fizeram notar desde a minha anterior estadia.
Fortaleza é uma cidade de cresceu muito e em especial virada para o Turismo. Há pois uma grande efervescência na abertura e encerramento de restaurantes.
Ora, esta introdução para explicar que um restaurante, a que me referi nestas páginas em Janeiro de 2007, encerrou. Pois esse restaurante, com ementa de características francesas, servia um famoso Bacalhau à Transmontana. Por essa particularidade lhe dediquei uma crónica. Lamentavelmente encerrou. E lá se foi o único prato de comida transmontana que se servia em Fortaleza. Bem, eu frequentava esse restaurante, “Café Matisse”, não pelo bacalhau mas pelo conjunto da sua prestação. Possivelmente o bacalhau terá influenciado as primeiras visitas.
Há outros restaurantes portugueses aos quais também já me referi noutras oportunidades. Insisto em comentar que não concordo muito com as experiências de adaptar as receitas ao gosto de cada região. Prefiro que se utilize outra designação, mas as receitas tradicionais não serem alteradas. O ideal seria conhecer bem as mercadorias e só em função delas serem escolhidas as receitas. Hoje em dia as tarefas estão facilitadas pela grande diversidade de abastecimentos e também que muitos restaurantes utilizam uma forma descritiva das receitas, nos menus. Faltando-me o Bacalhau à Transmontana restou-me para matar a saudade das minhas origens, além dos vinhos e azeites em supermercados, encontrando castanhas de Sortes e água Pedras Salgadas.
A forma de alterar uma receita tradicional não é pecado. Para mim o errado é alterar a receitar mas mantendo-lhe o nome. Claro que eu sou fervoroso adepto da cozinha evolutiva. Ninguém admite comer hoje como se comia há cem anos!
Como deve então evoluir uma receita? Antigamente os processos eram mais lentos. Hoje em dia com a velocidade da informação, e também a facilidade de transporte dos produtos culinários, tudo é mais rápido. Uma coisa é a evolução de uma receita e outra coisa é a transformação da mesma.
Vejamos um exemplo ainda desta experiência brasileira. Num restaurante português e com reputação elevada, pedi Arroz de Pato à Antiga. Chega uma dose abundante, que deu para três, mas o arroz parecia um gratinado afrancesado pois a quantidade de queijo que o cobria nem deixava imaginar o que estava por baixo. Depois o arroz estava muito ensopado em gordura. Segundo informação local este prato é um dos preferidos da clientela.
Tenho a sorte de próximo de minha casa em Lisboa frequentar um restaurante que serve o meu melhor “Arroz de Pato”. O equilíbrio de cozedura dos ingredientes, o arroz solto e gratinado no tempo certo, possivelmente balizam os meus sentimentos quando como outro arroz. Reafirmo que não vejo nenhum inconveniente em transformar uma receita. Isto acontecendo, então mudem-lhe o nome. Os portugueses foram os precursores da Cozinha de Fusão. Quando chegámos à Índia ou ao Brasil, adaptámos a cozinha aos novos produtos. E depois também trouxemos novos produtos para o continente e outras técnicas culinárias que ajudaram a transformar o nosso receituário. A Cozinha de Fusão não é tanto uma combinação e uma mistura de ingredientes e técnicas culinárias mas um encontro de culturas que criam pratos verdadeiramente novos. A mistura de culturas traduz-se de tempos a tempos em criações novas e exaltantes receitas.
E este aspecto prende-se com outra questão, que me é querida, que é a falta de educação do gosto das novas gerações.
Repito que tive a sorte de ser educado na província, e que era obrigado a comer em casa e nas casas das famílias de meu Pai e minha Mãe. Este tipo de habituação determinou a forma como ainda hoje aprecio a comida. Há referências que não se esquecem e outras que ficam adormecidas até que somos confrontados com as comparações.
Naquele tempo toda a comida era boa e por educação tínhamos que comer de tudo. Poderia ser simples, mas era consistente. E tudo tinha o seu sabor. E reconhecíamos os alimentos pelas estações do ano.
Foto: Praia de Paracuru, Brasil

23.4.08

A Rota das Especiarias


Autor: John Keay

Editora: Casa das Letras


Tenho o hábito de dizer que a história é, por vezes, mal contada. Fomos habituados a pensar que as especiarias foram divulgadas ao Mundo depois das nossas Descobertas, e pelos Portugueses. O que não é rigorosamente verdade. De facto temos a nossa parte na História mas que devemos partilhar com outros.
Este livro é surpreendente por repor essa verdade histórica. De forma simples e com uma linguagem acessível, mas revelando uma atitude de escrita erudita, as especiarias vão sendo apresentadas através dos tempos. Os Portugueses também lá aparecem, na sua intervenção de globalizar, para a época, as especiarias até então negociadas como raridades ou como fármacos. De forma surpreendente são narradas as aventuras para a descoberta das terras desconhecidas, e misteriosas, de onde vinham produtos tão exóticos. Como por exemplo as expedições de Vasco da Gama.
Não vai o leitor encontrar, à forma de dicionário, a descrição das especiarias. Nem de um léxico especializado se trata. Terá de ler todos os capítulos para entender todo o percurso, dramas e percalços por que as especiarias passaram nos últimos três mil anos. E entender como a evolução das mentalidades levaram ao consumo de alguns produtos.
Narrativa com informação histórica e rigorosa de umas aventuras épicas, exóticas, fascinantes e gloriosas que alteraram a saída da Idade Média para um mundo definitivamente moderno. E a forma como este comércio alterou de forma significativa algumas civilizações e estratégias geopolíticas no Mundo.
Livro excepcional mesmo para quem pensa não gostar de História.
De referir nesta edição uma tradução cuidada e de qualidade.

História da Alimentação



Autor: Carlos Guardado da Silva, coordenação

Editora: Edições Colibri *



Há dez anos que a Câmara Municipal de Torres Vedras organiza com sucesso os encontros de história designados por Turres Vetereas. Estes encontros decorrem durante dois dias nos quais são apresentadas comunicações sobre o tema do ano. O ano passado foi a história da alimentação.
O presente livro é a compilação das comunicações apresentadas que no final quase todas davam origem a interessantes períodos de debate.
O leitor deve ser avisado que não se trata de um livro de história da alimentação. Os textos apresentados são contribuições importantes para o tema. Assim podemos ter informações da Antiga Mesopotâmia, detalhes da época gloriosa de Roma até ao legado árabe na História da Alimentação do Algarve. Várias comunicações abordam questões relacionadas com a Idade Média, designadamente a alimentação dos exércitos em campanha, o pão da cidade, sobre o pão e o vinho, exemplos de alimentação medieva nas cantigas de escárnio e mal dizer, e elementos simbólicos da cultura da alimentação neste período. Ainda uma comunicação sobre os sabores da expansão. Abordados ainda temas relacionados com detalhes regionais, alimentação e publicidade alimentar na revista ABC, e termina com o elogio das sopas, o inimitável pastem de Belém e fecha com chave de ouro com a especialidade local: o pastel de feijão.
Estamos perante um livro que será bibliografia obrigatória para a futura escrita da História da Alimentação, e deveria ser obra permanente das bibliotecas das escolas que ensinam as artes culinárias ou outras relacionadas com a alimentação.
* Co-edição com Câmara Municipal de Torres Vedras e Universidade de Lisboa