Realizou-se a 27ª edição do Festival Nacional de Gastronomia de Santarém. O Festival sempre teve como elemento base de animação a participação de estabelecimentos de restauração que garantiram a presença da gastronomia de todas as regiões.
Recentemente, e designadamente nos últimos três anos, a direcção do Festival lançou o repto da presença da nova cozinha, ou da gastronomia contemporânea, nos almoços especiais, e destinados a representar uma região específica.
Iniciou em 2005, com o 4º Congresso Nacional de Gastronomia intitulado “A tradição face à evolução e modernidade”, discutiu-se a presença cada vez mais evidenciada de estabelecimentos com características culinárias modernas. Prometeu então o Festival uma abertura, no futuro, a estas novas tendências e que representam já uma fatia considerável no mercado da alimentação em Portugal.
Nesse mesmo ano o Ribatejo apresenta-se no Festival com uma ementa de revisitação da cozinha ribatejana, através do Restaurante Condestável de Luís Suspiro, e dando o exemplo da nova cozinha, que não é mais do que a base da verdadeira cozinha regional, valorizando os bons produtos de base, mas aliviada do excessivo, e com apresentação cuidada. Surge ainda esse ano a presença, discreta, das Equipas Olímpicas da Culinária.
No ano seguinte, 2006, para além da Representação do Ribatejo, novamente com o Restaurante Condestável do Luís Suspiro, também as Equipas Olímpicas se apresentam com uma refeição autónoma. Ainda em 2006 realiza-se o Congresso dos Profissionais de Cozinha que é o fórum mais qualificado da discussão da cozinha em Portugal, e efectua-se a entrega do prémio do Chefe Cozinheiro do Ano curiosamente ao ribatejano Nuno Mendes.
Em 2007 o programa foi mais audacioso. Para além da realização do Congresso dos Profissionais de Cozinha, procedeu-se também è entrega do prémio Chefe Cozinheiro do Ano e realizou-se a final do Concurso Nacional da Sanduíche. Foi lançado o desafio a algumas Regiões para utilizar os almoços especiais apresentando a realidade da nova cozinha portuguesa. Assim, logo para iniciar o Festival a Região de Turismo do Ribatejo, anfitriã, apresentou uma ementa confeccionada pela Chefe Nuno Mendes, Chefe Cozinheiro do Ano, e contou com a colaboração do Restaurante JF, de Santarém, que concebeu e executou a sobremesa. A ementa constava de um Estaladiço de Queijo de Cabra da Maçussa com Mel de Alfazema, Enguias de Escabeche sobre Gaspacho Sólido e Picadinho Português, Cabrito de Leite com Hortelã das Lezírias e Arroz de Maranhos. A sobremesa chamada Ribatejo Doce com Gelado de Limão e Goma de Citrinos, era uma apresentação do melhor que há em doçaria no Ribatejo.
No dia seguinte foi a agradável presença, uma vez mais, das Equipas Olímpicas da Culinária. São raras as oportunidades que o público em geral tem para apreciar as suas apresentações, talvez por isso foi a primeira refeição a esgotar nas vendas. Para não maçar e apresentar a listagem das iguarias servidas quero apenas referir a excelência de uma Empada de Rabo de Boi com Leitão cozinhado a baixa temperatura.
Outra refeição servida dentro do espírito da modernidade foi o almoço da Região Centro. A responsabilidade coube ao Restaurante do Hotel Quinta das Lágrimas de Coimbra, onde pontua o Chefe Albano Lourenço, com uma estrela Michelin. Aliás este restaurante é o único com estrela Michelin em que o Chefe de Cozinha é português. Excelente refeição constituída por uma Sopa de Peixe da Figueira da Foz, Salada de Camarão com Vinagreta de Pera, Cabrito da Serra Confitado com Grelos da Gândara, e a terminar um Leite-creme Queimado com Gelado de Tomilho e Telhas de Papoila. Para o café um conjunto de pastelaria variada da região.
Seguiu-se o Restaurante La Reserve, de Santa Barbara de Neixe, a representar o Algarve. Outro exemplo de como a cozinha regional, no seu melhor, pode evoluir. O Chefe Henrique Leandro apresentou para começar a refeição um prato a que chamou Sabores da Costa e do Barrocal Algarvio que era um misto de petiscos regionais. Depois umas Lulas Recheadas com Enchidos de Monchique, um Ensopado de Galo Caseiro com Feijão Verde e Xerém. Para Terminar uma Torta de Alfarroba sobre Salada de Laranja aromatizada com Medronho, e D. Rodrigo.
A região de Dão Lafões fez-se representar pelo Restaurante da Quinta de Pendão, sob a responsabilidade do Chefe Luís Américo. Refeição surpreendente iniciada com um Carpaccio de Vitela Lafões IGP, Bacalhau com Salpicão em Massa de Pão Rústico e uma bem conseguida Terrina de Morcela e Maçã Bravo de Esmolfe, e como sobremesa uma Pera Bêbeda com Mousse de Requeijão.
Para encerrar o Festival o almoço foi servido pela Região Autónoma dos Açores que encarregou a Escola de Formação Turística e Hoteleira de Ponta Delgada. Mais uma refeição inovadora e baseada na cozinha regional. Começou com Mousse de Polvo com Creme de Banana e depois Espadarte Grelhado com Açorda de Queijo de S. Jorge e Beterraba Agridoce. Seguiu-se um Lombinho de Porco com Enchidos dos Açores, Ananás Caramelizado e Espinafres Salteados e para finalizar Fondant de Mel, Mousse de Figo e Sorbet de Chá Verde.
As questões que frequentemente se levantam nem sempre estão bem colocadas. Porque não aceitar a modernidade da cozinha, ou simplesmente o seu processo evolutivo natural?
Seguramente hoje ninguém come com há 100 anos. O problema é não conseguirmos acompanhar a evolução da tecnologia e o que isso influencia as técnicas culinárias.
Voltando ao Festival de Santarém, a sua base continua a ser a cozinha regional portuguesa e instalada nos restaurantes, que representam todo o País. Com petiscos ou pratos completos.
E o melhor exemplo é o restaurante que representou o Ribatejo, o JF de Santarém, que corajosamente apresentou uma decoração do espaço mais moderna e nem por isso deixou de servir os petiscos, que ainda bem me lembro, desde a massada, passando pelos rins e os ovos mexidos com farinheira.
Os petiscos, ou os conceitos de “Tasquinhas”, lá continuam. Apenas se abriu a porta à representação da nova cozinha portuguesa. E ainda bem e com o contributo dos restaurantes.
BOM APETITE!
© Virgílio Gomes
Foto de Adriana Freire