31.3.08

Inverno e Outros Louvores

O Inverno mostra-nos o que de melhor tem Trás-os-Montes e Alto Douro. E que aprendeu a transformar a partir da excelência da natureza, e a comida a apetecer feita no tacho, e bem quente.
Entramos no período de gozar os principais enchidos, pós matança de porco. Vêm as feiras do Fumeiro. Os meus aplausos para os vencedores dos melhores produtos postos em concurso. Todos nós devemos estar gratos às organizações que garantem a continuidade dos produtos que identificam, em parte, o património gastronómico transmontano. Permito-me considerar o Salpicão de Vinhais como o enchido rei de Portugal, ou o seu mais nobre.
Insisto em considerar-me com sorte por ter sido educado com a comida caseira da minha Mãe e da família, garantindo-me, de forma continuada e gradualmente, a formação do gosto, as referências do crescimento, para agora poder sentir saudade daqueles sabores, cheiros, e outras emoções. Segundo Alice Vieira, dos sete pecados capitais, a Gula é “de todos o mais simpático e agradável.”
Na matança de porco, concentram-se todos os saberes acumulados por gerações. A matança de porco não deve ser vista só como um evento isolado. A perspectiva da matança começa quando se inicia a engorda dos porcos e a selecção da sua alimentação. Lembro-me bem, ainda miúdo, das recolhas, casa a casa, das biandas para alimentar os porcos destinados às matanças domésticas. E estes porcos eram alimentados não só pelos restos das comidas caseiras, como por outros produtos da natureza como abóboras e fruta. Tudo que fosse alimentar eles comiam. E do chão. Daí umas das razões para serem animais proscritos, ou impuros, em algumas religiões. Já lá vai o tempo em que para mostrar a sua ligação ou amizade a famílias de cristãos velhos se ostentava o consumo de carne e toucinho de porco. Em Espanha quanto maior fosse o consumo público de carne de porco maior seria a “pureza do seu sangue”. O porco como elemento diferenciador de religiões foi de tal modo importante que o termo marrano chegou a designar alguns cristãos-novos.
Por essas razões, ou apenas de economia doméstica, estes povos desenvolveram uma prática de utilização máxima da carne de porco, comendo-se na sua totalidade, da ponta do focinha à ponta do rabo, incluindo as suas entranhas.
Recentemente algumas vozes, por vezes pouco esclarecidas, vieram a terreiro acusando autoridades de quererem extinguir tradições tão enraizadas na população. Certifiquem-se que não é a ASAE que quer extinguir as matanças de porco. As matanças podem continuar, os cuidados é que têm que ser maiores e ajustados à Lei. Porque se exige um maior rigor no controle higieno-sanitário? Por querer assegurar a saúde pública? As emoções às vezes ultrapassam as razões, e todos sabemos que é sempre mais fácil criticar do que analisar as questões pela sua raiz.
Quando se acusa a ASAE, nem sempre se sabe o que se diz. E relembro recentemente aquele advogado que foi notícia em todos os jornais televisivos pela acção que iria, em nome de vários restaurantes, por contra o Estado e a ASAE pela destruição do património culinário português. Coitada da gastronomia portuguesa! Ora o único exemplo apresentado nesses jornais era a proibição de usar as colheres de pau! Não existindo qualquer proibição à utilização de colheres de pau nas cozinhas “desde que estas se encontrem em perfeito estado de conservação”, os agentes da ASAE o que fizeram foi o aconselhamento de utensílios de plástico ou silicone que ajudam a minimizar os riscos de contaminação dos produtos alimentares. Esta prática já é corrente, há vários anos, em muitos restaurantes e escolas hoteleiras que perceberam as vantagens.
Muitos disparates se têm dito e escrito sobre o assunto. Para mim a ASAE não é mais do que um agente encarregado pelo Estado (Governo) de fazer cumprir uma Lei (possivelmente mal elaborada). Esta Lei já vem desde 1996 e possivelmente os nossos deputados, ocupados com outras questões, não tiveram o trabalho de elaborar uma Lei ajustada às nossas tradições e limitaram-se a traduzir leis de outros países sem qualquer tipo de tradição gastronómica e raízes regionais tão fortes. Foram os deputados e outros políticos que não se acautelaram com legislação que defendesse o nosso património cultural. Limitaram-se posteriormente a classificar, e de forma pouco eficiente e duradoura, a gastronomia como património, mas rapidamente extinguiram o organismo, Comissão Nacional de Gastronomia, que lhe poderia dar alma, e continuamos sem alternativa.
Mas mais grave do que este cumprimento de leis, que garantem essencialmente questões de higiene e saúde pública, são os comportamentos correntes que levam ao esquecimento das nossas gastronomias regionais. Comportamentos de todos nós, arrastando-nos em processo de alteração de mentalidade, sem disso termos consciência.
Porque se deixam as crianças alimentar sem sopa?
Porque se deixam as crianças ir directamente, e com frequência, aos locais de “fast-food”?
Porque se ensina rapidamente o número de telefone dos distribuidores de pizzas?
Porque se deixou de cozinhar com o arroz Carolino?
A lista de perguntas seria longa se me permitisse referir todos os elementos do comportamento recente dos portugueses em matéria alimentar.
Retomemos o exercício de reflectir, pelo menos ao fim-de-semana, em regressar aos nossos sabores regionais e relembrar as cozinhas das Mães e das Avós.
Coragem e entusiasmo.
BOM APETITE!

Publicada na Revista ARESP Março 2008

Desenho de Graça Morais "Matança de Porco"

30.3.08

Caldo de Estórias com Letras


Autores: Vítor Wladimiro Ferreira
(Selecção de Textos e Anotação)

Editora: Inst. Nac. de Formação Turística *


Não é fácil durante o Verão encontrar novidades publicadas nesta matéria. Por isso, recorro de edições anteriores que merecem sugestão. Limitar-me-ei também a não sugerir livros que apenas contenham receitas.
Este livro é sobretudo uma compilação de textos, desde o séc. XIV até meados do séc. XX, que ilustram a alimentação das respectivas épocas. Assim se poderá melhor entender a evolução da nossa comida, seus hábitos, e forma de convivência social.
Mas, para além da selecção dos textos por ordem cronologia, Vítor Wladimiro Ferreira enriquece a obra com excelentes comentários e anotações que enquadram os textos para o entendimento dos objectivos do livro.
Trata-se de uma boa base de contribuições para a história da alimentação em Portugal. Livro fundamental para os alunos de escolas de hotelaria que queiram o enquadramento cultural da alimentação na nossa história.
Por que não lançar este livro no mercado livreiro?
* Venda exclusiva nas escolas do Turismo de Portugal

23.3.08

Que Restauração?

A velocidade do nosso tempo prega-nos surpresas ao ponto de nunca sabermos se estamos actualizados.
Hoje alguém define a cozinha de fusão, alguns minutos depois, todo o mundo pode saber a sua definição... mas executá-la será diferente.
Queremos melhor exemplo de cozinha de fusão do que a comida Baiana? No séc.XVI já os portugueses descobridores, com os escravos africanos transportados, e no encontro com os indígenas juntaram, no seu quotidiano, os seus saberes com os produtos novos.
Temos assistido ao crescimento de espaços de refeições rápidas, e baratas, que criaram facilidades no ritmo acelerado da vida actual.
Desenvolveu-se a entrega de refeições, ou parte delas, ao domicílio com uma simples chamada telefónica.
A multiplicidade de locais e opções culinárias ajudaram também a desenvolver cuidados com a saúde e sobretudo com a higiene alimentar.
Mas quais são as tendências deste sector? Que preocupações adicionais deverão ter os empresários com estes progressos?
Não vamos criar sintomas de culpas como Vatel, no tempo do Rei Luís XIV, nem angustias das referências de Grimod de la Reynière no seu Almanaque, séc. XIX, verdadeiramente o primeiro crítico gastronómico, e nem chegar ao desespero do Chefe Bernard Loiseau cujo suicídio se julga associado à possibilidade de perder uma estrela no Guia Michelin.
Discute-se muito a criatividade e o progresso (ou evolução) na Arte Culinária. Por outro lado os elementos moda, e nas andanças de copiar (e tantas vezes mal), destroem-se verdadeiros progressos da Cozinha.
Então o que é fundamental para o sucesso de um restaurante? Começamos pelo investidor. Ou sabe da Arte ou tem a arte de encontrar alguém que saiba. Gerir uma cozinha, hoje em dia, não chega pensar que se sabe comer bem. É preciso saber executar com qualidade, satisfação dos clientes e rentabilidade do capital investido.
Todos sabemos que para uma boa cozinha precisamos de bons produtos, dar-lhes cozeduras exactas, combiná-los com elementos compatíveis e que ressaltem o seu gosto, e por fim a apresentação.
As vontades dos consumidores vão-se modificando. A melhor habilidade do restaurador será a de se antecipar ao consumidor.
Fala-se muito na Cozinha de Autor. Será necessário para a personalidade, alma, do restaurante ter essa cozinha? Parece-me que o mais importante é saber da regularidade em relação à qualidade de cada casa.
Escreveu-se muito e discutiu-se sobre a Nouvelle Cuisine, tantas vezes mal aceite. Mas quantos se preocuparam realmente em evoluir na Nouvelle Cuisine? Se analisarmos atentamente os seus principais objectivos facilmente vemos onde se falhou. Quais foram as linhas orientadoras desta Nova Cozinha? Comecemos pelos produtos. De primeira qualidade e utilizados de acordo com o mercado (época dos melhores sabores), o que implica visitas regulares aos locais de abastecimento. Depois as técnicas de cozedura, geralmente reduzindo o seu tempo, mas assumirem que cada produto tem o seu tempo de cozedura. Evitar acompanhamentos desnecessários e evitar molhos pesados. Valorizar as cozinhas regionais e aí obter inspiração.
Nos cardápios reduzir o número de pratos. A grande solução é sempre ter menos mas melhores.
Outros elementos passaram a fazer reflexões para as listas. Preocupação com o valor alimentar tendo em conta a componente dietética. E também acompanhar o aparecimento de novas técnicas, inovando constantemente, mas com segurança. Quer dizer, inovação com consistência e saber o que se está a fazer.
Hoje em dia existem cada vez mais restaurante onde se vai por saber quem é o Chefe de Cozinha. Ou porque se sabe da atribuição de mais uma estrela do Guia Michelin. Nem sempre tem sido justa a apreciação dos restaurantes em Portugal. Mas a sua visibilidade é seguramente maior e o restaurante vai querer orgulhosamente aumentar o número de estrelas.
E o recrutamento de mão-de-obra? O que se tem feito em Portugal na formação? Parece-me que estamos na altura de reflectir sobre os programas de ensino de cozinha. Parece-me que nas escolas devem incidir mais nos produtos e nas técnicas culinárias do que na aprendizagem de receituário.
E questionando ainda em Portugal? Que futuro para a Comissão Nacional de Gastronomia?
Reconheçamos o mérito a algumas Regiões de Turismo e algumas Confrarias.
Por que não lançar nesta revista um espaço permanente de discussão sobre a evolução da Cozinha Portuguesa perante os novos desafios?
Não será decerto obrigatório aprenderem as espumas e as gelatinas quentes.
Mas é cada vez mais obrigatório fazer melhor, acompanhando os tempos.

© Virgílio Gomes

Foto Adriana Freire



Publicado na Revista ARESP Outubro 2005

21.3.08

História da Alimentação Mediterrânica


Autor: César Aguilera

Editora: Terramar


Muito se tem escrito recentemente, e por moda, acerca da Dieta Mediterrânica. E porque apareceu esta moda? Pouco se tem investigado sobre a origem da instalação, no tempo, destes hábitos que hoje propagamos.
Não se tratando de uma novidade, a edição portuguesa data de 2001, parece-me uma obra fundamental para o entendimento da construção da cozinha regional em sentido lato. “Obra rigorosa e documentada, apresenta um vasto panorama em que se destacam não só as principais fontes históricas…mas também a própria identificação dos diferentes alimentos.”
O presente livro tem a vantagem de apresentação dos produtos, a sua história e o seu uso através dos tempos. Com uma linguagem simples fica-se a saber a intervenção de cada povo, e sobretudo de cada civilização dominante nesta bacia mediterrânica. Para ilustração de cada produto em cada época, o autor utiliza pequenas histórias ou factos históricos nos quais a alimentação teve papel determinante.
Estamos perante um manual de fácil consulta, constituído por pequenos textos sobre cada um dos produtos ou situações de evolução de cada um deles no seu tempo. Tem ainda outras abordagens como a instalação de restaurantes ou a própria evolução do gosto na história.
Para consulta basta ler cuidadosamente o índice bem elaborado, que tem claramente em título o seu conteúdo, e ir directamente ao assunto de interesse.
Claro que teremos que ter em conta que o autor, sendo espanhol, apresenta capítulos específicos para a vida em Espanha.
Tradução de excelente qualidade.

16.3.08

A Gastronomia e o PENT

Assisti com muita curiosidade à apresentação pública do PENT. Não resisto a lamentar que a sua apresentação não tivesse sido efectuada por um governante, apesar de enquadrada por eles. A emoção que os políticos habitualmente imprimem aos seus discursos transmite o entusiasmo que eles sentem pelos projectos. Tratou-se de uma apresentação técnica, que não retira nenhuma qualidade ao seu conteúdo.
Já tinha, o sector de alimentação e bebidas, ficado contentes pelo facto de a Gastronomia e Vinhos terem sido considerados dos 10 produtos fundamentais, e estratégicos, para a promoção e desenvolvimento do nosso Turismo.
Agora com a apresentação formal do PENT (Plano Estratégico Nacional do Turismo) ficámos todos a conhecer as suas linhas orientadoras, e com metas a curto e médio prazo. O documento é um instrumento orientador.
Quem executa ou a quem compete promover as actividades aí propostas. É conhecida a postura tranquila dos portugueses à espera que o Estado faça ou financie. Mas parece-me que compete a todos, empresários e profissionais apresentar projectos que se enquadrem neste plano estratégico. Se calhar falta ainda o orientador do PENT divulgar as formas de acção ou as formas de integração dos projectos dos parceiros do Turismo no Plano Estratégico.
O PENT sugere e apresenta caminhos directos para o Sector.
Não poderemos esquecer que a hospitalidade é um dos elementos diferenciadores mencionados por operadores e outros agentes do mercado. É no capítulo da hospitalidade que se integra a nossa actividade de Gastronomia e Vinhos. Para além das nossas naturais qualidades e atendimento (carácter português brando, afável, quente, comunicativo, receptividade aos estrangeiros), a qualidade da nossa culinária (simples mas executada com produtos de excelente categoria) e dos nossos vinhos (com designações e marcas há muito referenciadas no mercado internacional), e a qualidade dos estabelecimentos e serviço, irão determinar a boa execução do plano, potencializando o bom que há em nós.
Mas não chega a constatação das nossas qualidades. É preciso executar com êxito e melhorar a continuidade. Quer dizer, assegurar que se mantenha a ritmo sem descair a qualidade e portanto garantir a perenidade do sector como elemento diferenciador mas de qualidade reconhecida.
Que planos ou que projectos se devem apresentar para integrar no PENT? Quem o pode fazer?
A segunda pergunta parece a mais fácil e cuja resposta será: todos. Quanto aos projectos ou seus conteúdos a questão é mais delicada.
Se reagirmos por regiões vamos encontrar no PENT as propostas dos elementos distintivos e a contribuição dos produtos para cada região. Não se pode desanimar por constatar que a Gastronomia apenas seja sugerida em três regiões (Porto e Norte, Centro e Alentejo) e Vinhos em duas (Porto e Norte, e Alentejo). O plano como já referi é orientador e isso não significa que, por exemplo, o Algarve não tenha boa gastronomia. Por coincidência é a única região que tem um restaurante com duas estrelas Michelin, que é um guia de grande referência internacional. Aliás, notoriedade internacional é outra das necessidades citadas no plano para a nossa Gastronomia.
Quanto ao desenvolvimento de conteúdos apetece-me transcrever os seus objectivos e potenciais linhas de actuação.
Objectivos da intervenção: Aumentar a notoriedade internacional da gastronomia portuguesa. Assegurar qualidade das esplanadas e dos estabelecimentos. Preparar restaurantes para a recepção de turistas internacionais. Potenciais linhas de actuação: Deverão ser promovidos 4 a 6 pratos típicos considerados representativos da gastronomia portuguesa (presentes ao longo do território nacional) e 4 a 5 pratos específicos por região. Certificação de estabelecimentos de restauração - standards de qualidade. Organizar e promover lista de estabelecimentos de referência a nível nacional e regional. Apoio à qualificação de recursos humanos e à tradução de menus.
Gostaria de poder desenvolver estas sugestões do PENT.
Frustradas as tentativas de funcionamento da Comissão Nacional de Gastronomia, aliás extinta, parece de toda a conveniência a identificação de pratos de cariz nacional e que sejam executados com regularidade em todo o País. Reconheço a dificuldade da tarefa para a qual eu tenho várias sugestões. O excesso de diálogo ou o excesso de consultas sobre este assunto irá naturalmente não só prejudicar o objectivo, como fazer arrastá-lo no tempo. As soluções que parecem óptimas são por vezes inimigas das boas. Como fizeram os espanhóis para que a sua Paella seja conhecida em todo o Mundo? Foi pacífica a decisão? Talvez não tenha sido, mas foi eficiente? É a Paella o melhor prato da cozinha espanhola?
Temos que deixar os excessos de bairrismo e tantos deixar de querer ser pequenos. Estas escolhas, que obrigarão a consultas, não poderão ser longas. E depois têm que ser assumidas com orgulho por todos. Esta será a tarefa mais complicada. As mudanças de mentalidade são lentas… e custosas. Mas alguém terá que decidir e a partir daí executar.
As escolhas regionais (com as novas regiões, ou a indicadas no plano), talvez mais fáceis, têm que obedecer ao mesmo rigor e velocidade.
Quanto à certificação dos estabelecimentos parece-me que a legislação, ou melhor, a verificação do seu cumprimento deveria por começar a ser mais eficaz. Para um turista pouco informado, a multiplicidade de designação dos locais onde se pode comer, tem dificuldade em entender a diferença entre cafés, pastelarias, snacks, …, pois muitas vezes os serviços que prestam são idênticos. Claro que a “Certificação”, no seu sentido mais rigoroso, vai longe. A ARESP, depois do sucesso obtido com o programa Selecção, poderia agora, em parceria com outras entidades, desenvolver um projecto de satisfação desta linha orientadora. A ARESP tem todos os meios para garantir com sucesso este projecto.
Mais polémica será a lista de estabelecimentos de referência. Quem define os critérios? Quem faz a avaliação? Será que os guias que actualmente se publicam em Portugal conseguem adquirir a notoriedade necessária? Porque não lançar um repto ao Guia Repsol e à Academia Portuguesa de Gastronomia? Sem querer classificar este guia como o melhor, as provas dadas merecem a minha confiança.
O apoio à qualificação de recursos humanos e à tradução de menus são objectivos que apenas serão possíveis com o rigor e disciplina da formação profissional. Se calhar não precisamos de mais escolas. Precisamos possivelmente de rever os programas do ensino, os métodos aplicados e naturalmente mais ambição. As escolas devem cada vez mais envolver os profissionais, quer na formação de activos, quer na sua utilização para formação com dinâmica associada à profissão.
Cada vez mais a principal marca de um restaurante é o nome do seu chefe de cozinha. Que cada vez mais é também empresário.
O PENT é um instrumento útil e importante. Assim saibamos tirar partido dele.
Voltaremos a este assunto e outros detalhes associados ao PENT.

Publicada na Revista ARESP Março 2007
Foto Adriana Freire

13.3.08

Livros, livros... 2007


Eu não sei viver sem livros.
Uso livros para todos os fins. Enquanto trabalhei sempre foram parceiros ideais, enquanto gozo a vida são um complemento fundamental de tranquilidade.
Os livros podem ser um excelente acompanhante nas lides profissionais. Permitem-nos a actualização, dão-nos ideias e, especialmente aprendemos muito com eles.
Nos últimos anos temos assistido ao aparecimento de muitos livros de artes culinárias e outros assuntos relacionados com a restauração. Nem todos úteis, nem todos óptimos, mas em todos temos sempre alguma referência que podemos aproveitar.
É curioso constatar que, numa época em que cada vez mais não se cozinha em casa, se publicam tantos livros e revistas de cozinha. Será que o consumidor pretende esclarecer-se para melhor poder exigir enquanto cliente? Ou será apenas para se informar e conhecer melhor uma actividade que está na moda? Ou simples curiosidade?
Longe vai o tempo que nos livros de cozinha apenas apresentavam uma culinária palaciana, ou elitista para a época. Lembro que o primeiro livro que se publicou em Portugal foi a “Arte de Cozinha” de Domingos Rodrigues, cozinheiro da Corte, e em 1680, e foi necessário esperar exactamente mais cem anos para sair publicado o segundo livro de receitas, em português, por Lucas Rigaud, também cozinheiro da Corte, e com o título “Cozinheiro Moderno…”. No século XIX inicia-se uma nova moda de publicação de livros, mas é em pleno século XX que surge o primeiro livro para profissionais de cozinha, ou para a actividade da restauração, que é a “Cozinha Ideal” de Manuel Ferreira com a primeira edição em 1933.
Actualmente publicam-se muitos livros de receitas de cozinha, alguns de histórias de cozinha, história da alimentação e até romances cujo tema, ou actividade dos personagens principais é a cozinha.
Como já vai sendo prática nos meses de Novembro e Dezembro assistimos à divulgação de tantos títulos que, para um viciado como eu, não é fácil acompanhar todos os livros editados nestas datas. É pena que não se publiquem mais livros espalhados durante todo o ano. Eu entendo que a febre natalícia dê melhores resultados comerciais. Mas para quem se interessa por estas artes todo o ano, este período é de sofrimento.
Mas vejamos alguns livros que se publicaram em 2007, não sendo esta lista um inventário exaustivo. Apenas escolhas minhas, e para as quais não irei explicar os critérios de selecção.
A Colares Editora já nos habituou a um conjunto de livros variados na sua colecção Gastronomia. Este ano publicou “À Mesa com Fialho de Almeida” de Maria Antónia Goes, “Doçaria Tradicional do Algarve” e “Cozinha Tradicional do Algarve” de Conceição Amador, “A Arte de Beber Vinho do Porto” de Ceferino Carrera e “Ervas e Mezinhas na Cozinha e na Saúde” de M. Margarida Pereira-Muller. Aproveito para referir a coragem que esta editora tem mantido com esta colecção, publicando livros interessantes mesmo sabendo que alguns deles não serão um sucesso comercial.
Quanto a editores quero realçar o regresso da Assírio & Alvim com uma nova série de Gastronomia e que lançou recentemente 4 títulos: “A Bíblia contada pelos Sabores” com receitas de Albano Lourenço e prefácio de José Tolentino Mendonça, “Sabores do Índico” de Maria Fernanda Sampaio, “Olívia e Joaquim, doces de Santa Clara em Vila do Conde” com fotografia de Duarte Belo e pesquisa documental e selecção de receitas de Maria Jorge Vilar de Figueiredo e Teresa Belo, e ainda um excelente livro “Puro Chèvre” de Adolfo Henriques.
Importantes para conhecer a nossa história da alimentação foi publicado pelas Edições Inapa o livro “Cozinhas, Espaço e Arquitectura” de Ana Marques Pereira, da editora Chaves Ferreira o livro “Os Menus em Portugal” de Isabel M. R. Braga, das Edições Colibri “História da Alimentação” com coordenação de Carlos Guardado da Silva, e da Casa das Letras “A Rota das Especiarias” de John Keay.
Finalmente surgiu em Portugal a tradução do mais importante livro para o entendimento do gosto, publicado pela Occidentalis “Fisiologia do Gosto” de Brillat-Savarin.
Reter ainda a excelente obra “Tradição e Inovação Alimentar” das Edições Colibri e um trabalho coordenado por Maria Manuel Valagão.
Com um interesse cultural invulgar quero citar “Na Cozinha dos Artistas” editado pelo Centro Cultural São Lourenço de Almansil, e que conta com a colaboração de vários artistas plásticos e sua visão da cozinha.
Devo ainda referir a obra de José Avillez “Petiscos com Estilo”, da editora A Esfera dos Livros, pela forma descomplicada como nos são apresentadas goluseimas atractivas.
Ainda sobre receitas, mas desta vez com história do léxico regional, o livro “O Azeite e as Azeitonas” de António Manuel Monteiro, do Editor João Azevedo.
Surgiu também, em final de ano, o livro “Doce Equilíbrio” de Gilberto Costa e Cláudia Viegas e editado pela 100% Foto. Este livro apresenta-nos uma extensa colecção de receitas de doçaria com redução de açúcar ou açúcares alternativos. As ideias são boas. No entanto não devemos confundir a redução do açúcar com uma prática generalizada de redução de açúcar na doçaria tradicional portuguesa. Será impensável reduzir as proporções, por exemplo, no Pudim Abade de Priscos. A solução é termos que reduzir a quantidade de pudim e completar o prato com uma componente de fruta. A doçaria tradicional não deve ser alterada. Devemos sim apresentar alternativas à nossa doçaria.
E para terminar quero citar um livro especial: “Queijos Portugueses” de Maria de Lourdes Modesto e Manuela Barbosa, da Editora Verbo. A qualidade do texto, o rigor da informação merece um destaque especial, confirmando o valor extraordinário evidenciado em todas as obras a que Maria de Lourdes Modesto já nos habituou.
Boas Leituras.

12.3.08

Crónicas Comestíveis




Autor: António Manuel Monteiro

Editora: João Azevedo Editor


Apesar de não se tratar de uma novidade, apresento-vos um livro que é intemporal. Lançado em 2002, ficou-se a edição muito pelas terras transmontanas, apesar de se encontrar à venda nas livrarias de todo o País.
Este autor, de quem me prezo ser amigo, já nos habituou a uma forma de escrita que vai muito para lá da informação gastronómica, usando uma fórmula de simplicidade associada a um linguajar por vezes complexo. Ora o vocabulário utilizado é, na maior parte das vezes, reflexo de tradições locais.
No conjunto destas crónicas, todas de abrir o apetite, o autor faz-nos viajar pelo tempo, desvendando a instalação de algumas tradições nortenhas. Para nos ajudar a entender a história da alimentação.
Os textos desenrolam-se numa variedade de temas que estimula a leitura. Com a sua ironia habitual, leva-nos da cozinha erótica ao entendimento das cumplicidades vínicas, passando pelo azeite, pela vitória da batata, elogio do pão, florilégio da caça, …, comeres festeiros, para terminar com a partilha do prazer.
Leitura a não perder.

7.3.08

VOLÚPIA - A Nona Arte - A Gastronomia






Autor: Albino Forjaz de Sampaio

Editora: Editorial Notícias


Apetecia-me transcrever a Nota Introdutória, do meu amigo António Valdemar, que apresenta este livro. Insisto frequentemente na leitura dos textos de abertura, e badanas, pois quase sempre se entendem melhor os livros, que não são romances.
Este livro, publicado em 1940, e agora com esta edição de 2000 é outro livro fundamental para compreender o nascimento dos conceitos e aplicação da famosa cozinha regional portuguesa, e verdadeiramente o primeiro livro de gastronomia em Portugal. E mais importante, a forma como se iniciou a sua instalação nos restaurantes da época. O mais surpreendente é que o autor era um homem das letras, e que faz o elogio para o estímulo da nossa gastronomia.
O autor define gastronomicamente Portugal., apresenta uma breve história da alimentação portuguesa e comenta o primeiro livro de receitas publicado em Portugal, de Domingos Rodrigues. De seguida um capítulo dedicado aos Académicos da Gastronomia, portugueses e estrangeiros.
Segue-se uma abordagem o outras cozinhas do mundo e designadamente à brasileira, espanhola, francesa, italiana, alemã, inglesa, húngara, africana e exóticas. Outros capítulos dedicados à Gastronomia e Literatura, aos Vinhos e Comidas, às Guloseimas e lambarices, textos de descrição e poesia sobre algumas receitas e finalmente sobre os primeiros livros em Portugal e alguns países europeus.
Um livro fundamental que terá determinado a elevação da cozinha regional portuguesa naquele tempo, e uma obra de consulta obrigatória para entender a cozinha em Portugal nos meados do século XX.
Sem apresentar receitas eis um livro para os amantes da boa mesa.

6.3.08

A História e a Mesa




Às vezes penso que me ensinaram mal a História. Aprendi os Reis, as Batalhas, e todo um conjunto de ensinamentos que nos levavam a crer, que os ideais dos nossos Heróis Históricos eram a Vontade Suprema. E acreditávamos.
Foi preciso escorraçar os Mouros? Por uma questão de Fé Cristã? Mas confiscávamos-lhes os bens... Deram-lhes a oportunidade de se converterem? E depois os Judeus? E a cobiça pelas suas fortunas?
Este começo para lembrar que o nosso e actual património culinário foi herdado de todos os povos, independentemente das razões porque os expulsávamos ou lhes ganhávamos terrenos em guerra.
A História não deveria ter esta forma orientadora, quasi com manuais de verdades supremas.
Pois dos Mouros aprendemos a cultivar olivais e laranjais. E o gosto pelas amêndoas e figos.
Ainda nos deixaram a técnica muito evoluída, para a época, do trabalho do açúcar e das massas finas para doces. E a quem devemos o massapão? E os Pasteis de Santa Clara de Vila Real?
E as nossas alheiras? Se não fosse a expulsão dos Judeus haveria alheiras? E a celebração de toda a carne de porco?
E de onde nos vem a habilidade de fazer bons vinhos? Não esqueceremos os Romanos. E as conservas de peixe?
Quer dizer, que quando se despoletaram alguns movimentos identificados na História, pela mudança radical das leis ou das regras, o quotidiano não mudava. E mantiveram-se muitas tradições que agora dizemos que são nossas.
A nossa História está rica de maus ensinamentos. Ou o método do ensino da História. Quantos transmontanos já leram o livro “Três Estórias (Pouco) Doces” do nosso conterrâneo Augusto José Monteiro, onde se ensina a História a partir de coisas simples.
Se assim começarmos a questionar o princípio das coisas, facilmente chegaremos à questão das técnicas culinárias, sem complexos, fazerem parte do nosso património histórico.
Todas as religiões têm regras relacionadas com a alimentação. Que duram há séculos!
Prometo que voltaremos a estas questões.

BOM APETITE!

© Virgílio Gomes
Foto Adriana Freire

Crónica publicada no Jornal da CTMAD Set2005

Tradição e Inovação Alimentar







Autora: Maria Manuel Valagão (Org)

Editora: Edições Colibri




Este livro é o resultado de um projecto de Desenvolvimento Experimental e de Demonstração, executado no concelho de Alcácer do Sal. O objectivo era a utilização de uma técnica de transformação alimentar, a secagem, e foi posta em prática para o tomate, as ervas aromáticas condimentares e os cogumelos silvestres.
Constituído por sete capítulos e escrito por vários autores, com méritos reconhecidos, o livro é um instrumento educativo, esclarecedor e um manual prático para novas descobertas. É o fruto de um trabalho científico com aplicações práticas.
Lembro-me bem da etapa final deste trabalho, para o qual tive a sorte de ser convidado, de questionar sobre o livro, mas também onde seria possível encontrar os produtos do ensaio, à venda no mercado. O livro aqui está, apresentado com um grafismo atraente e conteúdos fantásticos. Pouca divulgação à sua volta. É pena que as Edições Colibri, já com tantos livros da área alimentar, não surja mais agressivamente na divulgação das suas publicações.
À autora/organizadora deste livro devem-se parabéns. E recomendo que leiam atentamente introdução do livro para melhor entender o desenvolvimento do projecto que culminou com esta publicação.
Aos nossos profissionais de cozinhas para entenderem que dos bons produtos, e com métodos inovadores também se constrói a boa cozinha.

5.3.08

Cozinhas, Espaço e Arquitectura


Autor: Ana Marques Pereira

Editora: Edições Inapa



Finalmente uma publicação sobre a evolução do espaço “cozinha”, estudada com perspectivas históricas. A autora já nos tinha apresentado outro trabalho “Mesa Real – Dinastia de Bragança” onde apresenta um estudo no qual a gastronomia real nos é apresentada de forma pormenorizada em todos os seus aspectos.
O livro agora publicado contém três capítulos: Evolução do espaço, Particularidades habitacionais e Efeitos do espaço na confecção dos alimentos. O período do estudo vai dos séculos XII ao XX.
Este trabalho vem esclarecer algumas das razões das alterações do espaço cozinha, naturalmente com grande incidência nas economias domésticas abastadas. O conceito de cozinha profissional, ou ajustada à produção de alimentação para venda, é mais recente e de fácil estudo para os profissionais destes séculos, e para a qual já existe muito material disponível.
Este estudo, como o do outro livro atrás referido, é de leitura obrigatória para quem se interessa por estas questões da história da alimentação. A linguagem utilizada é bastante acessível, o que permite a leitura para um público mais alargado. Pena que estas edições de álbuns não estejam disponíveis em edições mais baratas para poderem ser de leitura obrigatória nas escolas de hotelaria ou do sector alimentar.
Obra indispensável de leitura para qualquer estudo sobre a evolução da retaguarda das artes culinárias e da mesa.
Curiosa descrição das cozinhas identificadas com o seu local de implantação, bem como da sua localização geográfica.
Acresce ainda a excelente paginação com fotografias adequadas à ilustração do texto, não se esquecendo de ler a Introdução.

4.3.08

Caffè Amore








Autora: Nicky Pellegrino

Editora: Edições ASA



Pela primeira vez, vou-me permitir a sugestão de um livro que não nos liga directamente a matéria de produção alimentar. Trata-se de um romance.
A autora é inglesa, tendo passado várias vezes férias no sul de Itália. Vive actualmente na Nova Zelândia como editora de uma revista feminina.
O romance desenvolve-se em Itália, com a saga de uma família provinciana, complexa, mas com a característica de ter uma casa farta de boa comida. A heroína do livro é simultaneamente a sofredora, a vítima, excelente cozinheira e na cozinha encontrar os seus primeiros prazeres, e na cozinha determinar o rumo da sua vida.
Ora, a história da cozinheira só por si não justificaria a sugestão do livro. O mais interessante é a forma entusiasmada, quase sensual, como a autora descreve as confecções culinárias, quase nos forçando a salivar enquanto lemos. E quase ficamos com a receita na mão.
Curioso é entender como este entusiasmo passa para a geração seguinte. E a forma como a recordação da cozinha determina também o futuro da nossa heroína.
Como já referi, para além do enredo e história da família, aprende-se a gostar de comer e a dar sentimento a esse acto. Romance a não perder.